A função da psicologia na gestão de pessoas em sofrimento psíquico - IMEPAC

A função da psicologia na gestão de pessoas em sofrimento psíquico

São inúmeras as pesquisas que há anos apontam para a influência das condições de trabalho na saúde psíquica dos trabalhadores brasileiros, o que se deve a diversas questões que são constituídas tanto por elementos da superestrutura social, como por aqueles que são particulares e, portanto, de responsabilidade de cada organização, instituição e empresas. É consequência do modelo político e econômico que baseia as relações em nosso país, que o trabalho seja atividade central da vida dos sujeitos, tomando não só a maior parte do seu tempo de vida, como também sendo parte fundamental da construção de suas personalidades. O modo mais específico como cada pessoa se relaciona ao trabalho, porém, está ligado diretamente ao tipo de trabalho e ambiente em que ele se dá. A depender das condições em que o mesmo se encontra e do cuidado que é disponibilizado ou não aos trabalhadores, esses, apresentarão maior ou menor sofrimento psíquico.

Existem também questões subjetivas e biológicas que perpassam as relações de trabalho e, consequentemente, o sofrimento psíquico, mas estudos indicam a importância determinante do elemento social e do trabalho – como é organizado hoje, no processo de adoecimento dos sujeitos:

Entendemos que o adoecimento aparece, então, muitas vezes, como uma forma de resistência passiva diante da organização do processo de trabalho e da vida, quase como uma denúncia das contradições do capitalismo, que ao mesmo tempo se reinventa reiteradamente para perpetuar a exploração. Ou seja, o sofrimento psíquico expressa de alguma forma – ainda que confusa e indiferenciada (BASAGLIA; BASAGLIA, 1979/2005) – a interdição diante da satisfação de necessidades, ou ainda, por meio de comportamentos estereotipados e irracionais, os processos de desgaste a que a pessoa está submetida (Almeida, 2018, p. 21).

Dessa forma, coloca-se ao psicólogo organizacional uma função, no mínimo, complexa: manejar as necessidades da instituição em que se encontra, bem como exercer os devidos cuidados à saúde psíquica dos trabalhadores da mesma. Complexa, porque, muitas das vezes, o melhor desempenho da organização está relacionado ao maior desgaste de seu funcionário, em um pacote que tem como resultado final o aumento da produtividade, mas também do adoecimento pela carga de trabalho e pelo modo como o mesmo é exigido.

Diante dessa situação, cabe ao gestor responder à seguinte questão: como balizar os resultados requeridos pela empresa com condições de trabalho dignas aos sujeitos? Mesmo que essa pergunta seja adiada e que por muito tempo apenas as metas da empresa sejam pensadas, logo o sofrimento psíquico dos trabalhadores começa a provocar sintomas de uma organização que pouco a pouco se torna adoecida como um todo: alta rotatividade, ausências, absenteísmo, entre outros fenômenos concretos e construídos pelas próprias exigências do ambiente de trabalho.

A resposta a essa pergunta, porém, insiste em ser atribuída a uma má gestão organizacional, como bem coloca Carneiro (2006) ao dizer que a elevação da ausência ao trabalho, mesmo circunstancial, localizada em determinadas unidades ou concentrada em determinadas categorias, é tida como fruto da incapacidade gerencial de controlar. No entanto, o próprio autor oferece caminhos aos gestores de onde devem partir para exercer um cuidado efetivo dos funcionários da organização em que trabalha: “Perguntas como: o que, no ambiente ou na organização do trabalho, está influenciando na ausência ao trabalho, ou por que os trabalhadores não estão motivados para ir ao seu local de trabalho, raramente são feitas, fato que gera considerável estranhamento.” (CARNEIRO, 2006, p. 24)

A partir dessas colocações, torna-se perceptível que, se a raiz das questões de sofrimento psíquico dos trabalhadores estão localizadas menos individualmente (no âmbito psíquico ou biológico) e muito mais nas próprias relações de trabalho, a que se atuar no cerne do funcionamento da empresa, possibilitando a oferta de melhores condições de se estar nesse ambiente. Resta, ainda, o obstáculo da concordância dos donos das organizações quanto à mudança de conduta do funcionamento das mesmas, o que torna tarefa concernente também à psicologia que essas problematizações aconteçam em todos os níveis da instituição: há que se mostrar a ligação entre a estrutura do trabalho, a saúde do trabalhador e os resultados da empresa, pois as medidas estruturais serão tomadas se a organização for ser beneficiada; e há que se ajudar os trabalhadores a entenderem, de maneira coletiva, de onde vem seu sofrimento e quais são essas medidas necessárias, visto que são eles os imprescindíveis ao funcionamento de qualquer organização.

 

Perguntas de um Operário Letrado
(
Bertolt Brecht)

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas”

 

Por: Ma. Barbara Maria Turci

Professora do curso de Gestão de Recursos Humanos

 

Referências

ALMEIDA, M. R. de. A Formação Social dos Transtornos de Humor. Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Faculdade de Medicina de Botocatu. Orientador: Sueli Terezinha Ferrero Martin. Botocatu, 2018.

BASAGLIA, F. As técnicas psiquiátricas como instrumento de libertação ou de opressão. In: _____. A psiquiatria alternativa: contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática. Conferências no Brasil. São Paulo: Brasil Debates, 1979. p. 13-27.

BASAGLIA, F. Riabilitazione e controllo sociale. In:_____. Scritti 11 (1968-1980): dall’apertura del manicomio allanuova legge sull’ assistenza psichiatríca. Torino: Giulio Eunaudi, 1982.

CARNEIRO, S. A. M. Saúde do trabalhador público: questão para a gestão de pessoas – a experiência na Prefeitura de São Paulo. Revista do Serviço Público Brasília 57 (1): 23-49 Jan/Mar 2006