Na primeira parte desse texto, argumentei sobre a importância dos professores no contexto de inovação educacional que chega às instituições de ensino, em todos os níveis, a passos largos. No entanto, nem todos os professores se sentem suficientemente preparados para implementar as mudanças, ainda que as equipes de gestão estejam investindo em formação continuada por meio de cursos, minicursos, oficinas, palestras e outros. De modo geral, o palco onde atuam alunos e professores tanto é formado por aqueles que se concentram sobre o saber, o conteúdo curricular, aquilo que é ensinado, quanto por aqueles para quem o primordial é aquilo que é aprendido e para quem, justamente por isso, o aluno deve assumir o papel de protagonista. Esse entendimento desloca o papel do professor de transmissor para mediador ou organizador das situações de aprendizagem dos alunos.
Porém, para cumprir esse novo papel, às vezes uma necessidade, outras vezes uma exigência das instituições educacionais, nem todos os professores encontram, em seu repertório de formação inicial, exemplos em quem se espelhar. Na primeira parte do texto vimos como tais exemplos são determinantes das concepções e práticas docentes, advindos da experiência escolar e universitária daqueles que cursaram licenciatura, mas também dos bacharéis que se tornam professores.
Assim, para alguns, a inovação se apresenta como um impasse: migrar para as parcialmente conhecidas metodologias ativas ou permanecer na segurança da aula expositiva, provavelmente técnica com a qual o professor aprendeu boa parte do que sabe com os seus professores, tomados como modelo? É possível compreender que a última opção não é apenas a mais confortável e segura, talvez seja aquela da qual o professor esteja convencido a utilizar até o final da sua carreira. E quão assustador pode ser para um docente, hoje, sair da chamada “zona de conforto”? Uma simples mirada pelas salas de aula e circunstâncias que promovem encontros entre professores tem ajudado a perceber que ansiedade, desânimo e desesperança, lamentavelmente, alcançam o cotidiano laboral docente. Há poucos dias ouvi, com tristeza, a expressão de um colega sobre tais amarguras profissionais: “outro dia eu até chorei”.
Voltemos à linha do tempo, iniciada na primeira parte do texto, para destacar que se “os professores dos professores” foram, e são, profissionais tão marcantes em suas vidas a ponto modelarem a identidade pessoal dos docente e os seus saberes práticos (Raymond, Butt e Yamagishi, 1993 apud Tardiff, 2000), o que ocorreria se pensássemos em quando esses professores, tomados como referências, se formaram? E se esse retroceder nos levar há apenas 20 anos atrás, recordaremos que as tecnologias disponíveis eram jogos em cartuchos, fitas cassete, VHS, CDs, Walkman/Discman, TVs e monitores de tubo, câmeras fotográficas com filme, mouses com esferas, disquetes, telefones fixos de disco e por aí vai… Isso somado ao fato de que nenhuma didática e experiência de formação daqueles que se graduaram há 20 anos e dos seus alunos, graduados há 10 anos – hoje professores – desenvolveu habilidades docentes como criatividade e inovação, tão necessárias e desejadas no mercado educacional presente, causando a angústia revelada por alguns: “tenho que criar um tipo de aula que eu nunca tive” ou “hoje tenho que aprender, dominar e, ao mesmo tempo, ensinar”.
Ocorre que encontram-se, no mundo do trabalho como um todo e no da educação, em particular, tanto entre docentes quanto discentes, gerações que vão desde os chamados baby boomers (nascidos entre 1946-1964) até os alfa (nascidos a partir de 2010), passando pelas gerações X (nascida entre 1960-1980); a Y / millennials (nascidos entre 1980-1996) e a geração Z (nascida entre 1997-2010). À parte os conflitos, facilmente identificados em ambientes familiares, escolares e profissionais, é certo que se educa para o presente e para o futuro e isso, por si só, poderia ser motivo para convencer os mais arraigados às práticas docentes tradicionais a se aproximarem das tecnologias e metodologias contemporâneas com menos temor. Mas, como vimos, não é o que está ocorrendo, talvez com a maioria. Haverá uma saída? Provavelmente múltiplas.
Sustento, para finalizar, uma hipótese. Há poucas semanas fui questionada, juntamente com outros colegas, professores, sobre qual seria o motivo que leva os docentes a usarem as narrativas digitais em suas aulas. Mediante a nossa resposta, que foi “talvez o nível de domínio, ou seja, quanto maior for a proficiência do professor com as tecnologias, maior facilidade ele terá em inseri-las em suas aulas”, nossa professora, Manu Bezerra, afirmou: “talvez… mas talvez, principalmente, quando o professor percebe que ele pode utilizar essa linguagem tecnológica para entregar o conteúdo para o aluno”. A frase mereceria uma contextualização, sobre o processo que estamos vivendo no curso dessa professora, a respeito de Educação 4.0, no entanto o que pretendo concluir é que talvez necessitemos dar um “passo atrás” quando se trata de formação continuada de professores.
Esse passo consideraria o pressuposto de que os docentes, inclusive os mais jovens, não foram formados em ambientes autônomos, inovadores, criativos e tecnológicos, ao contrário, como vimos, suas salas de aula provavelmente estavam sempre enfileiradas e o conteúdo curricular, baseado em livros, artigos e na fala dos professores, era memorizado e devolvido em provas. O tempo necessário para que as mudanças almejadas ocorram, como se percebe, poderá ser um pouco mais longo do que se deseja. Dar um passo atrás, portanto, significaria: ao invés de apenas solicitar, informar ou exigir essa atualização e inovação dos professores, iniciar por um diagnóstico fidedigno dos seus saberes, crenças, valores e práticas, bem como de suas expectativas e necessidades formativas, assim como se está delineado as aulas como trilhas e experiências de aprendizagem para os alunos. A partir do entendimento sobre o que os professores pensam, sentem e, sobretudo, sabem fazer, possivelmente construiremos uma ponte entre o campo seguro, pleno de certezas e domínios para o novo, o incerto, o arriscado. Ou seja, entre a ênfase sobre o conteúdo programático e as aulas expositivas os quais, deixando bem claro, não devem ser simplesmente esquecidos ou descartados, e as inovações contemporâneas.
Em que pese seja apenas uma hipótese, convido o leitor que, porventura, seja um professor a refletir sobre o tema consultando suas próprias memórias: e os seus professores, quem foram, que marcas deixaram, quanto influenciaram as suas escolhas como docentes? Espero que as recordações permitam que reconheçamos, em nossas práticas, aquilo que devemos conservar e o que já podemos deixar serem apenas boas lembranças, guardadas na gavetinha das fotos embaçadas pelo tempo para as quais, de vez em quando, olhamos saudosos. Mas que, ao olharmos, também nos fazem pensar como Newton (1676): “Se eu vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes”.
Por: Mª. Maria Teresa de Beaumont
Professora e Coordenadora do curso de Pedagogia
Referências
ARAÚJO, Kátia Costa Lima Corrêa de. Os saberes docentes dos professores iniciantes do ensino superior: um estudo na Universidade Federal de Pernambuco. Recife. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Pernambuco. CE. Educação, 2005.
CARDOSO, Ramon. 10 tecnologias que já fizeram parte da sua vida; será que você lembra de todas? Disponível em: https://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2011/09/10-tecnologias-que-ja-fizeram-parte-da-sua-vida-sera-que-voce-lembra-de-todas.html. Acesso em: 30 out. 2019.
TARDIFF, Maurice; RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação e Sociedade, ano XXI, n. 73, dez. 2000, p. 209-244.