Mudanças não costumam ser fáceis, tampouco simples. Se assim é em vários aspectos da vida, também o é no campo educacional. Temos observado, ora a passos lentos, ora rápidos, transformações na infraestrutura das instituições de ensino, no modo como os alunos aprendem, na metodologia das aulas, no uso de recursos tecnológicos, em alguns casos na avaliação, dentre outras.
Nesse processo de transformações, uma das figuras centrais continua sendo o professor. É ele quem exerce o papel ora de transmissor de conhecimentos, ora de mediador entre o conhecimento e os alunos e ora de organizador das situações de aprendizagem, permitindo aos discentes assumir o chamado protagonismo, impraticável há poucas décadas atrás. Mas será que esse novo papel, exigido dos professores, é para todos confortável? Em que medida as necessidades de formação e atualização permanentes, junto às demandas por inovação e uso das tecnologias contemporâneas, têm sido absorvidas pelos docentes?
Para alguns professores, certamente, a nova relação que estabelecem com os alunos, o currículo, o conteúdo, as metodologias e as tecnologias é tranquila e até desejável. Porém, para outros, chega a causar angústia e sofrimento. Conhecedores das necessidades de atualização, os docentes têm sido incentivados, sobretudo pelas equipes de gestão, a aprimorarem a sua prática, mas nem todas as palestras, cursos, oficinas e demais atividades de formação continuada são, às vezes, suficientes para que as mudanças se efetivem, no interior das salas de aula.
Embora boa parte dos professores esteja convencida das exigências contemporâneas que incidem sobre a área, em todos os níveis, da Educação infantil ao Ensino superior, suas aulas permanecem centradas na transmissão do seu saber a alunos que eles julgam apáticos, desinteressados, imaturos, subordinados, condicionados. O fato do aluno “não querer nada” é motivo para o professor manter as aulas como estão, dada à ineficácia que sentem ao experimentar metodologias diferentes da aula expositiva. A tentativa frustrada de entregar o conteúdo da aula em textos ou vídeos, para que os alunos o estudem antes do encontro (pré-aula), de maneira a discutirem o assunto, resolverem dúvidas, fazerem exercícios ou outras atividades na aula, dá ao professor a impressão de que a sala de aula invertida, por exemplo, não passa de modismo pedagógico.
Nesse cenário, portanto, convivem docentes considerados tradicionais, eruditos, pois aprofundaram-se em suas áreas de formação, reconhecidos como excelentes professores, para os quais não é preciso mudar nada, pois sempre ensinaram assim e os alunos sempre aprenderam. De outro lado, estão os mais arrojados, que arriscam mudar as aulas assumindo o contexto de insegurança e incerteza como algo positivo, ávidos por compreender, e praticar, que o conhecimento se reconstrói e não apenas se reproduz. E, claro, há aqueles que ora ousam, ora recuam, na tentativa de acertar mais do que errar, esperando que algo se consolide antes que eles tenham que experimentar, pois precisam sentir que estão em um terreno seguro, com um certo temor de avançar para o novo e o desconhecido.
Mas de que forma essa breve “classificação”, carente de um exame rigoroso ou científico, estaria associada à idade dos professores? Na verdade, a pergunta seria: “… à idade dos professores desses professores”. Pensar em docentes em meados da carreira, na faixa etária de 35 a 50 anos de idade ou ainda em docentes entre 60 e 70 anos de idade, remete ao argumento de maneira quase óbvia. Então pensemos no primeiro bloco, docentes jovens, com 25 ou 30 anos de idade, ou que concluíram seus cursos de graduação há não mais do que dez anos. Há dez anos não havia o WhatsApp e as mensagens de celular eram enviadas, apenas, por SMS; o próprio celular ainda era usado mais como um aparelho telefônico, pois embora o smartphone seja de 2008 a tecnologia só se popularizou, ao menos no Brasil, alguns anos depois; não existia um Tablet com tela sensível ao toque dos dedos; não havia um modo de encontrar pares amorosos pela Internet, pois o Tinder foi criado em 2012; a velocidade de conexão da Internet era de 3G; o Facebook só substituiu o Orkut em 2014; a Netflix chegou ao Brasil em 2011 e não existia o Uber.
E se você for um jovem leitor ou caso já esteja se perguntando “como se podia viver sem Facebook, WhatsApp ou Uber?”, pensemos que esse era o cenário no qual viviam os jovens professores, quando ainda estavam cursando suas licenciaturas ou bacharelados. Porém, cabe aqui uma pausa seguida de um segundo retrocesso na linha do tempo. Na pausa, lembremos Tardiff (2000) e outros pesquisadores que informam serem os primeiros anos da carreira docente conflituosos e, ao mesmo tempo, decisivos sobre suas práticas. Mas por qual motivo?
Ao longo de sua história de vida pessoal e escolar, supõe-se que o
futuro professor interioriza um certo número de conhecimentos, de competências, de crenças, de valores etc., os quais estruturam a sua personalidade e as suas relações com os outros (especialmente com os alunos) e são reatualizados e reutilizados, de maneira não reflexiva mas com grande convicção, na prática de seu ofício. Desse ponto de vista, os saberes experienciais do professor de profissão, longe de serem baseados unicamente no trabalho em sala de aula, decorreriam, em grande parte, de preconcepções do ensino e da aprendizagem herdadas da história escolar. (TARDIFF, 2000, p. 218-19).
O conjunto de valores e crenças é assim forte que a tendência inicial de um profissional (licenciado ou não) recém-formado que começa a lecionar é imitar os modelos de “bons professores”, segundo os seus critérios, baseados naqueles que foram os seus professores, quer na Educação básica, quer no Ensino Superior. A esse respeito, vejamos como se pronunciaram jovens professores entrevistados por Araújo (2005) em sua pesquisa:
“Eu recebi duas influências muito interessantes, da minha professora orientadora de graduação e do meu orientador do mestrado e doutorado. Eu procuro me espelhar bastante no trabalho deles.” (P 4, Ciências Biológicas, 03 anos de magistério superior, 35 anos).
“Eu me espelho na minha orientadora, que é uma excelente professora e outra professora que eu acompanhei na pós-graduação (…)”. (P 1, Farmácia, três meses no magistério superior, 29 anos).
“Para ensinar me baseio em um professor do mestrado. Ele é muito bom em termos de metodologia de ensino, de conseguir resultados.” (P 2, Engenharia Cartográfica, 02 anos no magistério superior, 49 anos).
Pois bem, consideremos, assim, que os professores de hoje, solicitados a lecionar com celular, ferramentas, plataformas, vídeos, podcasts, memes, gifs, games e outras narrativas digitais, espelham-se, na verdade, nos professores que tiveram quando as tecnologias predominantes, na Educação eram datashow, TV, videocassetes. Entenda, leitor, que para efeito de exemplo, estamos recordando, apenas, os recursos tecnológicos, mas se avançarmos para o campo das metodologias de ensino / aprendizagem a situação pode ser a mesma.
Continua na Parte 2, aguarde.
Por: Prof.ª Mª. Maria Teresa de Beaumont
Coordenadora e professora do curso de Pedagogia