Desde sempre, ouvimos de quem nos promove e nos acalenta, de que temos de escolher fazer alguma coisa da qual nós gostamos quando formos decidir nossos caminhos profissionais. Que, se nós o fizermos, nem teremos que trabalhar. Isto porque haverá um contentamento pleno no equilíbrio entre a responsabilidade e o prazer.
Acontece que, nem sempre aquilo de que gostamos, adoramos e amamos, representa o nosso melhor, a nossa entrega mais reconhecida, um talento natural ressoado com os nossos atos mais simples. Posso gostar muito de jogar futebol e ser muito ruim de bola. Assim como eu posso adorar cantar canções e tocar instrumentos musicais e não possuir uma bela e nem afinada voz e nenhum, ou quase nenhum reconhecimento de quem quer que seja quando toco meu violão, meu piano, meu acordeom. Isto porque eu não sou nenhum virtuose em nenhum desses instrumentos.
E por aí nós vamos nos frustrando e querendo mudar as direções profissionais de nossas vidas à medida que nos sentimos infelizes com os nossos trabalhos, com os ambientes deles, com a rotina que eles nos impõem. E também nos tornamos inseguros em abandonar uma carreira segura, bem remunerada, com uma trajetória consolidada pelo incerto e prazeroso caminho de fazer aquilo que a vida nos ensinou e nos mostrou que nos traz reconhecimento e, de vez em quando, até algum dinheiro no tempo livre.
Então, chegamos num lugar onde eu e muitos de nós nos encontramos agora: – Tornar-se dono ou continuar empregado? – Fazer um mestrado ou reforçar minha competência técnica no meu atual trabalho? – Romper com a minha história profissional ancorada num alicerce tradicional e respaldado pela maioria dos empregadores do meu segmento ou me manter nesse contexto confortável e até relativamente seguro para um futuro mais previsível?
Brian May, o aclamado e reconhecido músico de uma das maiores bandas deRock and Roll de todos os tempos, passou por este dilema quando ainda se encontrava bastante jovem e já defendia uma tese de doutorado no London Imperial College. Naquele tempo ele conheceu seus amigos de banda. A partir de um primeiro razoável retorno que a banda obteve em suas atuações, ele precisou escolher entre esses dois caminhos: Rock and Roll ou Astrofísica. Imagino que, um jovem na idade dele, que já estava desenvolvendo uma tese de doutorado, certamente, amava o que fazia.
E venhamos e convenhamos: a carreira artística não inspira muita confiança para um sucesso que dê ao profissional iniciante toda a notoriedade dos mais reconhecidos profissionais deste segmento. Há casos e mais casos de valorização até depois da morte dos artistas. E, mesmo em eventos assim, históricos e mais antigos, estes sucessos estrondosos aconteciam muito, mas muito antes das redes sociais.
Imagino que o vocalista Freddie Mercury, o baterista Roger Taylor e baixista Mike Groose tiveram um poder de persuasão muito contundente para fazer Brian May trocar o seu doutorado em Astrofísica pela concorrência com os gigantes da música que já faziam história naqueles tempos. O baixista Mike Groose nem continuou na banda, motivo pelo qual deve estar arrependido até hoje! Ele foi substituído por outro baixista, Barry Mitchel. Depois, este, pelo baixista Doug Fogie. Finalmente, o baixo da banda foi assumido pelo consagrado e consolidado John Deacon que foi aquele que se firmou com os outros três no que seria a maior banda de rock de todos os tempos segundo os britânicos. Em recente pesquisa eles superaram os Beatles na preferência dos súditos do Reino Unido. Sem falar que o Queen também passou os Beatles em número de discos/cd´s/downloads no mesmo Reino Unido.
E lá se foi Brian May pelo incerto caminho da música que nem sempre reconhece seus talentos mais contundentes. Além de perder alguns deles pela incapacidade de lidar com a superexposição e a pressão de fazer sempre mais e melhor depois de cada grande e popular canção alçar os primeiros lugares das paradas. A Astrofísica ficou pelo caminho. Mas não foi esquecida. Brian May a resgatou!
Nos idos dos anos 2000, profissional consagrado e até honrado com títulos honorários e uma estrela na calçada da fama de Hollywood, Brian May retomou sua vida acadêmica. Pasmem! Ele nem precisava disto. Seu patamar é de um Olimpo onde raros e poucos profissionais se estabelecem para a eternidade como referências em seus segmentos de construção do pensamento do trabalho. Por quê?
Em 2006, ele concluiu o seu doutorado em Astrofísica. Em outubro deste mesmo ano ele defendeu a sua tese “Velocidades Radiais na Nuvem de Poeira Zodíaca” – um estudo de 48 mil palavras que defende a ideia de que planetas e nuvens de poeira, em nosso sistema solar, orbitam na mesma direção. Disse que, na defesa da tese, ficou tão nervoso quanto em qualquer um dos super shows de sua superbanda Queen ao redor do mundo.
E ele não parou por aí! Escreveu um livro – “Bang – The Complete History of the Universe” (BANG – A HISTÓRIA COMPLETA DO UNIVERSO) – com os colegas da academia Patrick Moore e Chris Lintott. Pensa que acabou? Não! Pois aos 60 anos ele foi nomeado reitor, isto mesmo, reitor da Universidade John Moores de Liverpool, terra dos Beatles. Ele assumiu o cargo de reitor desta universidade no início de 2008.
O que aprendemos com o autor de WE WILL ROCK WILL? Que precisamos, antes, aprender a gostar do que fazemos melhor em cada instante e situação de nossas vidas. E, então, darmos força para essa condição forjada em nós pela natureza e pela experiência vazar e gerar ressonâncias, resultados. Enfim, trazer reconhecimentos em forma de empregabilidade, ação empreendedora bem sucedida, promoção, ascensão profissional.
Depois, com sabedoria e longanimidade, guardarmos nosso tesouro, nosso prazer, aquela vontade, aquele desejo do que amamos e gostamos, vazar também! De outro jeito. No caminho e, oportunamente, em contextos que nos favoreçam na interação com nossos melhores talentos nos lugares onde formos colocados para desempenharmos nossos dons.
Todavia, sabemos do tamanho do desafio de se fazer tudo isto diante da enorme pressão do mercado competitivo por lugares ao sol cada dia mais disputados e raleados.
Os imponderáveis, o cansaço, as frustrações, as derrotas, as ilusões e tantas outras intempéries precisarão ser assimilados, driblados e ajustados para que construamos um destino como o que Brian May consolidou no equilíbrio entre FAZER O QUE SE GOSTA X APRENDER A GOSTAR DO QUE SE FAZ!
E nem precisa ser na dimensão do que ele consolidou. Porque dá para ser jogador de futebol sênior com qualquer idade e disputar campeonatos amadores no condomínio ou na liga amadora da cidade ou do clube. E dá para cantar no coral da igreja ou criar uma banda para tocar em espaços públicos ou, simplesmente, naquele estúdio que você vai construir no fundo de sua casa ou naquele quartinho de seu apartamento para soltar toda a sua musicalidade de todo o coração.
Não espere do mundo corporativo e engessado nenhum respaldo para o encontro deste equilíbrio em persistente esforço na manutenção do rumo e do prumo para um destino dos sonhos.
Então, como Brian May escreveu um dia para Freddie Mercury ecoar com sua inigualável voz, você poderá cantar em alto e bom tom: WE WILL ROCK YOU (NÓS VAMOS SACUDIR VOCÊS). GO AHEAD!
Por: Paulo Henrique de Sousa Leite (Educador e Conferencista)