O ordenamento jurídico deve ser construído com a finalidade de proteção de bens e, o termo “bem”, já foi alvo de debate da doutrina na tentativa de se chegar a um conceito que pudesse abarcar as diversas possibilidades de seu alcance, como algo valioso, útil, necessário, importante e digno para o ser humano e assim, alçá-lo à categoria de “bem jurídico”.
Nas palavras de Toledo (2015, p. 16), existem inúmeros bens existentes e, aqueles que são reputados “dignos de proteção”, são erigidos à classe denominada de bem jurídico e, cita Welzel para afirmar que trata-se então de um bem vital ou individual que, devido ao seu significado social é juridicamente protegido, podendo se apresentar em diferentes formas, como objeto psicofísico (vida); espiritual-ideal (honra); situação real (inviolabilidade de domicílio); ligação vital (casamento); relação jurídica (propriedade); comportamento de terceiro (lealdade dos funcionários públicos), em síntese, é toda situação social desejada que o direito quer garantir contra lesões.
No que se refere às ofensas contra a dignidade da pessoa humana que afetam os bens jurídicos, Sarlet (2007, p. 364) destaca que existe uma dificuldade em estabelecer uma pauta de violações e assim, tanto a doutrina quanto a jurisprudência, na corrida para uma definição jurídica de dignidade, cuidam de estabelecer parâmetros e critérios básicos a fim de se aproximar de uma definição mais concreta desse princípio, ainda que isso não seja uma definição consensualmente aceita em face da amplitude do assunto, caracterizado pela ambiguidade e pela porosidade, não é prudente uma conceituação fixa, pois, em assim sendo, estaria em colisão com os diversos valores das democracias modernas.
Ao tratar de violações a bens jurídicos com proteção constitucional e penal, Roxin (2014, p. 1) assevera que é verdade que o direito penal certamente é uma instituição social muito importante. Ele assegura a paz infra estatal e uma distribuição de bens minimamente justa. Com isso garante ao indivíduo os pressupostos para o livre desenvolvimento de sua personalidade, o que se compreende entre as tarefas essenciais do estado social de direito.
O modelo de conceito de bem jurídico proposto por Roxin (2014, p. 48) tem consequências de alta relevância, a considerar que ele exclui o moralismo puro, a exemplo de punição do homossexualismo entre adultos, de atos sexuais com animais e outros, porque nesse caso, não lesionam as possibilidades de desenvolvimento de ninguém; ele exclui também o paternalismo duro, tipo a punibilidade da autolesão, da posse de drogas para o consumo próprio, ou a auto colocação em perigo responsável; a todos esses casos falta uma intervenção nos bens jurídicos de outra pessoas.
Nesta linha de raciocínio, fica evidenciado que para se falar em existência de um bem jurídico, faz-se necessário que sejam estabelecidos pressupostos mutáveis e, nas palavras de Roxin (2014, p. 53) isso nada modifica no fato de que a exigência de uma lesão a bem jurídico numa determinada situação concreta e no âmbito de uma dada ordem constitucional, pode dar diretrizes bem concretas à legislação penal e exemplifica: “inversamente, a terra, o ar e a água só puderam ser promovidos a bem jurídicos quando o desenvolvimento técnico e industrial possibilitou que os seres humanos destruíssem as bases naturais da vida e da população”, e reforça:
[…] a destruição do clima, o envenenamento das águas e do solo, podem, em muitos aspectos, pouco afetar negativamente a geração que hoje vive e inclusive melhorar o seu bem-estar. A longo prazo podem tornar a terra inabitável e assim lesionar consideravelmente a qualidade de vida ou a possibilidade de desenvolvimentos das gerações futuras. (ROXIN, 2014, p. 66).
Por sua vez, Sarlet (2004, p. 72) destaca para o impacto da tecnologia sobre a intimidade das pessoas, no âmbito da sociedade informatizada, bem como sobre o meio ambiente, assim como no que diz com o desenvolvimento da ciência genética, demostrando que até mesmo o progresso científico pode, em princípio, colocar também em risco direitos fundamentais da pessoa humana, o que nos remete à problemática das funções do direito penal na assim designada “sociedade de risco”.
Como já exposto anteriormente nesta pesquisa, a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais necessitam da devida proteção do Estado através dos textos constitucionais e normas infraconstitucionais, pois, são envoltos de bens jurídicos carentes de proteção robusta, em face de sua vulnerabilidade frente às diversas possibilidades de ofensas, aí ganhando então uma roupagem de judicialização
Por: Geilson Nunes
Mestre em Direito/Doutorando em Direito
REFERÊNCIAS
ROXIN, Claus. Novos estudos de direito penal. Alaor Leite (organizador); tradução Luís Greco. São Paulo: Marcial Pons, 2014.
SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência. In: Revista brasileira de ciências criminais. Ano 12, n 47, março-abril de 2004, p. 60-122.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. 19ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2015.