O texto apresentado aqui revela a essência de nossa tese de doutorado, defendida no ano de 2007. Partimos de uma observação muito recorrente quando ainda estávamos como professora de Ciências do Ensino Fundamental II: aulas e projetos de Educação Ambiental nas escolas, por algum motivo, não têm contribuído para uma mudança de percepção e de atitudes relevantes nos alunos quanto à preservação ambiental.
Assim, questionávamos: como se caracteriza a Educação Ambiental desenvolvida nas escolas? Que conteúdos são trabalhados? Como os professores trabalham estes conteúdos? Como as práticas ditas de Educação Ambiental se articulam com o currículo escolar? Até que ponto a Educação Ambiental praticada nas escolas está vinculada ao compromisso de formar pessoas envolvidas na construção de uma sociedade mais justa e sustentável? E se isto não tem acontecido, o que falta aos professores?
Há um dado histórico interessante: desde o primeiro momento em que os seres humanos começaram a interagir com o mundo ao seu redor, e ensinaram seus filhos a fazerem o mesmo, estava havendo Educação e Educação Ambiental. A Educação Ambiental pode ser definida como um processo que teve início nos primórdios da existência humana na Terra e que vem se desenhando até hoje. Passou por várias fases até se tornar, na década de 1970, motivação para grandes encontros mundiais, iniciados pela Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental de Tbilisi, entre os dias 14 e 26 de outubro de 1977. Este encontro definiu os objetivos, os princípios e as estratégias para a Educação Ambiental que até hoje são adotados em todo o mundo e que se dirigem, especialmente, à Educação Ambiental desenvolvida nas escolas.
Depois de Tbilisi, muitos outros encontros ocorreram e muitos documentos foram elaborados. No Brasil, da mesma forma, existe um grande número de orientações e documentos resultantes de encontros e eventos que tratam da Educação Ambiental.
Porém, apesar de todos estes documentos, a Educação Ambiental, no contexto escolar, não tem avançado no sentido de responder a estas recomendações e orientações. De acordo com os resultados de nossa dissertação de mestrado, além de outras pesquisas realizadas na área, prevalece a superficialidade, a desconexão entre conteúdo e vida, a ênfase nas comemorações, o modismo de certos temas, a desinformação, o gasto excessivo de recursos materiais nas atividades e o estímulo ao consumo, a falta de coerência entre o que se fala e o que se faz, a ausência de avaliação da prática, a pouca profundidade das representações sociais de meio ambiente, e, analisando a fundo, a falta de uma visão planetária da realidade local.
Existe uma fórmula mágica que garanta o sucesso de um trabalho de Educação Ambiental? Para nós o segredo está em despertar no professor aquele ser humano melhor e transformado que ele pretende ver nos seus alunos, ao trabalhar Educação Ambiental. Como é possível ao professor ser um educador ambiental efetivo, se seus paradigmas pessoais não foram transformados? Como poderá propor um mundo novo, justo e sustentável se suas práticas cotidianas não condizem com este mundo? O que falta ao professor: vontade, informação ou ambas?
Em síntese, o que nos inquietou e o que nos mobilizou a se lançar nesta pesquisa foi, em primeiro lugar, a busca de informações a respeito da metodologia de Educação Ambiental utilizada pelos professores e que, por algum motivo e apesar do tempo de existência, não tem contribuído com a minimização dos problemas socioambientais.
Para sustentar nossa busca teórica, fizemos uma análise da origem dos atuais problemas ambientais. Fazendo referência especificamente à realidade brasileira, a partir do momento em que começou a ser colonizado, com o “descobrimento” pelos portugueses, o Brasil teve suas riquezas naturais saqueadas, sem limite.
Segundo uma versão oficial de nossa história, em 22 de abril de 1500, aproximadamente 1100 homens, em doze naus, chegaram ao litoral brasileiro. Desembarcaram e foram gentilmente recebidos pelos indígenas. No dia 1.º de maio do mesmo ano, para realizar a segunda missa, foi feita uma gigantesca cruz de madeira e uma clareira, sinal da devastação que se anunciava. Os indígenas foram levados a participar do culto, sinal da aculturação e, conseqüentemente, da grande dizimação que se anunciava. Em 2 de maio, ainda daquele ano, Gaspar Lemos voltou a Portugal levando a carta de Pero Vaz de Caminha, que relatava a D. Manuel I, rei de Portugal, a exuberância da “nova” terra. Como sinal inaugural do contrabando dos nossos recursos naturais, foram levados exemplares da nossa flora, principalmente toras de pau-brasil, e de nossa fauna, sobretudo papagaios.
A história revelou, porém, que os europeus, quando aqui chegaram, não descobriram terras novas que até então não existiam e estavam fora de sua visão etnocêntrica, mas, acima de tudo, descobriram e reconheceram que existiam outras possibilidades de vida e de organização social, muito superiores às deles, (auto) consideradas mais civilizadas. Descobriram que o verdadeiro paraíso estava no Brasil, onde todos viviam sem roupas e sem culpas. Podemos dizer que muito antes de os portugueses “descobrirem” o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade e a liberdade. No entanto, os conceitos e valores que traziam consigo falaram mais alto, impedindo que se rendessem a uma cultura e a uma vivência mais integradas e respeitosas, e moldando uma relação desigual com o ambiente e com os legítimos habitantes dessa terra desconhecida. Por quê?
A ciência moderna, nascida com a Revolução Científica e marcada pelo que se chama de cartesianismo, não soube o que fazer com o caráter complexo da realidade. A estratégia foi reduzir o complexo ao simples para facilitar a compreensão dos fenômenos naturais e exercer domínio sobre eles. Com isso, teve início uma cultura que prioriza a superficialidade, por considerá-la mais cômoda, e que se fundamenta no materialismo, porque não aprendeu que a vida é formada, também, por outras dimensões. A “sociedade do excesso”, advinda dessa cultura, se realiza, prioritariamente, por meio do acúmulo de coisas, da relação descartável com tudo e todos, e pela incapacidade de “cuidar”.
Partindo para a realidade de nossas escolas, um dos objetivos de nossa pesquisa foi o de identificar os momentos da prática dos professores do ensino fundamental, quando trabalham Educação Ambiental, em que a visão simplista da realidade limita uma ação mais global e mais aprofundada, reduzindo, não apenas a complexidade dos problemas ambientais, mas, também, as possibilidades de vislumbrarmos outros caminhos de vivência em nosso planeta. Para isso, estamos certos, é preciso chamar a atenção, em primeiro lugar, para a complexidade de existir, pois cada ser humano, por si só, expressa a complexidade presente em todo o universo.
Porém, ao acompanhar as escolas, percebemos uma grande dificuldade de conceber Educação Ambiental fora da ideia ecologizada que foi construída ao longo do tempo. Ter um olhar filosófico para a crise socioambiental do planeta nos dias atuais e discutir suas causas mais profundas, não é fácil para os educadores. Normalmente, o debate fica concentrado na culpa de um suposto “homem” sem rosto e sem nome, que destruiu o planeta, poluindo seu solo, suas águas, seu ar, matando os animais e desmatando sem critérios. Como não se consegue identificar este personagem tão maldoso, como ninguém sabe onde ele está e como é, tudo fica como está.
Uma luz no final do túnel! Os saberes que foram perdidos ao longo do processo de modernização e tecnologização da vida podem ser revisitados para nortearem um novo caminho.
“Naquele tempo” as músicas, as brincadeiras, os “causos”, os poemas populares, as festas – religiosas ou não –, representavam maneiras de se relacionar tão significativas que sobressaíam à frieza, violência, aos vícios, aos relacionamentos fugazes e superficiais. Talvez por nos poupar de tantas preocupações referentes à aquisição de mais e mais coisas externas a nós, essa diversificação de linguagens nos colocava em contato conosco mesmos e, assim, estávamos mais inteiros nos relacionamentos. Inclusive no relacionamento com nosso ambiente.
Enfim, buscamos conversar com professores e conhecer suas práticas, além de entrar mais no cenário dos saberes tradicionais deixados de lado para buscarmos nossas respostas. Visitamos 6 escolas de Araguari e entrevistamos trabalhadores rurais que nunca moraram na cidade, pessoas que têm sua origem e seu processo de vida fundamentados nos saberes tradicionais. Juntando tudo, encerramos nossa tese com as conclusões a seguir.
Alinhavada com o fio histórico dos saberes tradicionais, a Educação Ambiental colocada em nossa proposta metodológica, não pretende levar a ideia de que a vida só tem sentido se vivida em contato direto com a natureza intocada, mesmo porque não somos aquelas pessoas que viveram no passado. Somos outras pessoas, diferentes daquelas porque carregamos algo a mais: a angústia da consciência de nosso papel na destruição da casa que recebemos de graça, repleta de bens para uma vida feliz, e o medo de pensarmos que nossos filhos ou netos poderão não herdar o futuro.
Por isso, seria impossível pensar nos saberes tradicionais como passes de mágica que nos levariam a “ser” como as pessoas que nos antecederam. Não propomos tal façanha. Queremos partir da realidade construída, concreta, real, pois tudo o que conseguirmos “evoluir” na consciência humana, por meio destes saberes, será traduzido como um passo importante rumo à sobrevivência coletiva. “Então o lobo habitará com o cordeiro e a criança brincará sobre a cova da serpente” (Is 11, 6-8).
Carregando em nós os sinais (gens) de toda uma história de existência da Terra, podemos ser considerados a própria “tradição cósmica”. Queremos, pois, conclamar as vozes dessa tradição para que nos ajudem a entoar um novo tributo: o tributo à vida! E estas vozes, para nós, estão nas escolas e são chamadas de PROFESSORES!
Por: Profª Drª Mirna Gertrudes Ribeiro Oliveira – do Curso de Pedagogia
Referências
- DIAS, G. F. Educação Ambiental: princípios e práticas. 4 ed. São Paulo: Gaia, 1992. 400p.
- DIEGUES, A. C. O mito moderno da natureza intocada. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 1998. 168p.
- SORRENTINO, M. Novas leis para o ambiente e a educação. In: CZAPSKI, S. (Org.). A Implantação da Educação Ambiental no Brasil. Brasília, MEC, 1998. p. 56-67.
- SATO, M. Apaixonadamente pesquisadora em Educação Ambiental. Rio Claro, 2004. Disponível em www.ufmt.br/gpea/algumaspublicações.